domingo, 20 de março de 2011

Achei isso no meu caderno, que é de algum livro que eu estudei ano passado e fiz questão de copiar:

Lembrei-lhe o caso de uma moça que encontraram afogada havia algum tempo e contei sua história. Era uma boa criatura, toda entregue as suas ocupações domésticas, trabalhando a semana inteira, sem outro prazer além de se enfeitar aos domingos, com os poucos trapos que ia arranjando a custo e ir passear com as companhias pelos arrabaldes a cidade ou dançar, quando em vez, nas festas jubilares, além de passar as horas de folga conversando, com toda a veemência e o mais cordial interesse, a propósito de uma rusga ou de uma discussão com a vizinha... Eis que com o tempo essa natureza fogosa começa a sentir necessidades mais íntimas, que crescem com os galanteios dos homens.. Todas as suas alegrias de antes tornam-se pouco insípidas, até que enfim ela encontra um homem, para o qual um desconhecido sentimento a arrasta irremediavelmente, no qual funda todas as suas esperanças, pelo qual esquece o mundo que a rodeia. Ela.nada escuta, nada vê, nada sente a não ser ele, o único, e só por ele, o único a que anseia. Como não está corrompida pelos prazeres frívolos da vaidade e dos galanteios, os seus desejos vão direto ao alvo, quer ser sua, quer gozar em eterna união toda a felicidade que lhe falta, os prazeres a que aspira. Promessas repetidas que selam a certeza de todas suas esperanças, carinhos temerários que lhe aumentam os desejos, apoderam-se de toda a sua alma. Ela está suspensa em surda consciência, no antegozo de todos os prazeres subiu ao cume, e estende enfim os braços para cingir todos os seus desejos... e o seu amante a abandona. Ei-la em transe, privada dos sentidos, à beira do abismo, tudo é escuridão à sua volta, nenhuma perspectiva, nenhum consolo, nenhum vislumbre de esperança, porque a abandonou o único por quem e em quem ela sentia viver! Não vê o vasto mundo que diante dela se estende, e o número daqueles que poderiam substituir a perda que sofreu. Ela sente-se sozinha, abandonada por todos... e cega, oprimida pelo horrível aperto de seu coração arroja-se ao abismo para sufocar todos os seus tormentos na morte que tudo abarca..
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